sexta-feira, 7 de março de 2014

As quatro citações mais populares da Filosofia

Existem algumas citações do campo da filosofia que se tornaram pop's; famosas mesmo. É bom que a filosofia se torne famosa, entretanto, é ruim quando queremos entender a filosofia por frases soltas, na base do "ouvi falar". Pior ainda é quando citamos essas frases sem entendê-las. Aqui vão as quatro frases mais famosas, e talvez mais mal interpretadas, da filosofia, seguidas de uma tentativa de esclarecimento e contextualização para que não fiquem tão soltas por aí:

“A religião é o ópio do povo” K. Marx – Essa citação de Marx, não raro, é interpretada de forma equivocada. Muitos a entendem com o sentido de que a religião manipula e ilude o povo, como a ilusão criada por se fumar ópio, sendo a causa de muitos males. Entretanto, essa não é uma interpretação coerente nem no contexto em que a frase foi posta, nem segundo o próprio pensamento de Marx. Para o Marxismo, tendo como base o materialismo histórico, não é a consciência que determina aquilo que é material, mas sim o que é material que determina a consciência. Aqui, o verbo determinar não deve ser entendido de forma rígida, determinista, afinal, apesar da predominância do material sobre a consciência, Marx concebe a relação entre o material e as ideias como dialética. Sendo assim, a religião, tida como ópio, faz parte do campo da consciência e não do campo material. Não é ela que cria a ilusão que determina a miséria do povo; ela, na realidade, é o resultado das miseráveis condições materiais pelas quais o povo sofre. Marx, aqui, talvez apontasse que a religião é antes uma consequência da exploração do trabalhador, do que sua causa. Oprimido materialmente, o povo busca dar conta de seu sofrimento através do alívio da consciência, com o ópio, ou seja, com a religião. Aqui vai a frase com um pouco mais de contexto:  “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo.

“Só sei que nada sei” Sócrates – O problema que existe na interpretação dessa frase atribuída a Sócrates (ela surge pelos escritos de Platão e não se sabe se Sócrates fez tal afirmação ipsis litteris), na verdade, está nas relações que acabamos estabelecendo entre ela e outras coisas que não eram cabíveis na antiga Grécia. A interpretação equivocada é a de que Sócrates estaria dando uma demonstração de humildade. Ora, a noção de humildade é cristã, não existia como tal na antiga Grécia. Quando Sócrates coloca que "só sabia que nada sabia" (ou "que não sabia nada sobre o que perguntava ao atenienses"), isso foi antes uma afirmação de inteligência. Afinal, ele mesmo diz ter confirmado os dizeres do Oráculo de Delfos. O Oráculo disse que Sócrates era o mais sábio. Sócrates não acreditou e saiu pela Grécia questionado os que eram conhecidos como muito sábios. Descobriu que os "sábios" afirmavam saber o que não sabiam, já ele, Sócrates, ao menos "sabia que não sabia". Portanto, era mesmo mais sábio que todos os "sábios" da Grécia. Confirmou os dizeres do Oráculo! Sendo assim, a mosca de Atenas estaria reafirmando que como filósofo ele só poderia ser amante da sabedoria, mas sábio mesmo, só os deuses, pois somente eles podiam saber das coisas que Sócrates perguntava na praça (justiça, piedade, coragem), ficando para o filósofo uma única certeza: a de que nada sabia sobre essas coisas.

Deus está morto” F. Nietzsche – Essa talvez seja a frase mais mal interpretada de toda a filosofia. Isso porque ela, assim como a frase de Marx, cita algo que faz parte do campo da religião. Entretanto, de nada adianta querer entender frases soltas. Nietzsche era um grande crítico da metafísica e consequentemente da metafísica de Platão. Com essa frase, queria mais constatar que as justificativas e fundamentos que damos para nossa existência em um “além-mundo” estavam historicamente mortas, do que fazer propaganda do ateísmo. Nietzsche estava atestando, no final das contas, que a metafísica (Deus) morreu. E quem foi o assassino? O positivismo, com o ideal científico de conhecimento e, portanto, material, empírico. O Positivismo afastou Deus do conhecimento. Depois dele, não poderíamos mais julgar nosso mundo segundo preceitos metafísicos e, no final das contas, sabendo disso, todos nós “matamos Deus”. “Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!

“O inferno são os outros” J. P. Sartre – Essa frase, sozinha, sem o devido contexto da filosofia Sartriana, dá brecha para se pensar que seria melhor se os “outros” não existissem para atrapalhar a mim, o mundo, ou qualquer coisa do tipo. Entretanto, isso não se encaixa na filosofia de Sartre. Ora, o existencialismo é aquela filosofia em que a existência precede a essência. Em outras palavras, antes existimos do que somos e nossa essência não é pré-concebida. A essência de cada um de nós é resultada da nossa existência, das nossas escolhas durante a vida. Ou seja, eu, como ser humano, sou as escolhas que tomo durante a minha vida e, no fim das contas, é isso que me difere das outras coisas: a liberdade. “O ser humano está condenado a liberdade”, segundo Sartre, porque não pode escapar de sua responsabilidade de decidir. Ao tomar uma decisão, o ser humano deve sofrer a angústia da escolha e ser responsável por si mesmo e por toda a humanidade. Se não for assim, não é verdadeiramente livre. E como o ser humano pode ter acesso e experimentar a sua própria essência? A partir do outro, da convivência. O inferno é esse. Além de estar condenado à liberdade, tendo que fazer escolhas sob minha responsabilidade, os outros me impedem de fazer tudo que quero, entretanto, é somente através dos outros que posso vislumbrar minha essência; somente através do “inferno” da convivência e da condenação à liberdade que os seres humanos podem existir e, portanto, serem.

2 comentários:

  1. Sempre gostei dos assuntos e a maneira que escreve desde a poesia sobre a bomba de hiroshima. Cada vez melhor, como tudo que fazemos com prazer, parabéns.

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